AMOR SELVAGEM
CONHECIMENTO BRUTO
À MÃO (LIVRE)
Às vezes, a única forma de escapar de uma sinuca de bico na arquitetura é tentar o impossível: a proporção exata entre o ridículo e o sublime
Olha, podemos ir direto ao ponto aqui? Não há nada a ser feito sobre esse lugar senão a possibilidade de transportar a escada inteira do Palácio do Itamaraty e pousá-la bem aqui, no meio dessa galeria em grid; desse jeito mesmo, até se não couber direito. Nós temos plena certeza de que não há outra forma senão por esse poderoso gesto de projeto. E, então, todo mundo começou a rezar pra que o transplante fosse um dos bem-sucedidos. Ele então se provou ser bem-sucedido o suficiente. O lugar inteiro tornou-se vivo novamente... Se nossos dilemas não são tão distantes do plano de voar, a coisa toda vai planar por um longo tempo sobre o bem e o mal, além do bem e do mal. Alguns gestos de coragem como esse não se encontram ao virar a esquina. Nem todo mundo realoca o orçamento de um edifício inteiro em um objeto oblíquo como aquela escada em espiral de 30 toneladas em balanço. Uma presença gigantesca que entrou no recinto sem nem ter sido convidada, afirmando ter a solução única. Não, nem todo mundo tem essa capacidade de acreditar na arquitetura.
Mas algumas pessoas especiais a tem, e elas são as que mudam a narrativa para outras dimensões. Dimensões mágicas: Natalie Klein é uma dessas pessoas iluminadas. Ela fez acontecer. Nós fizemos porque ela fez. Hoje, visitantes dessa casa de moda podem aproveitar um cafezinho ou uma bela leitura embaixo do artefato monumental. Um objeto arquitetônico que afirma ser a primeira citação na história da arquitetura. Quer dizer, a primeira autenticamente aprovada. Nosso trabalho foi além do projeto e do programa da loja para chegar aos arquivos de Oscar Niemeyer para apresentar a ideia como um objeto de arte. A fundação responsável pelo seu patrimônio nos deu sinal verde frente aos argumentos que foram parar em um pequeno livro. Um livro rosa que traz algumas das intricadas e complicadas teses que afirmam que a (impossível) cópia daquele objeto curvo de Niemeyer era a coisa certa a se fazer. Tupi colocou entre aspas a unidade da obra metonímica de Niemeyer. Walter Benjamin uma vez nos ensinou que é a tradução que entrega ao outro, do outro lado do corredor, o Original (não há original sem tradução). A construção dessa escada se provou como uma tarefa muito difícil por muitas razões. Sua presença absoluta nos fez reavaliar as decisões projetuais ao ponto de fazermos todos os armários e prateleiras atrás de cortinas, além de estantes com portas retráteis para que se pudessem esconder todos os produtos (isso é exatamente o oposto do que as regras de projetos comerciais direcionam qualquer um de nós a fazer), no intuito de dar espaço para a escada respirar.
O sistema de circulação determinado e forçado pelo tamanho e pela presença da escada trouxe outras ideias à planta: coisas como manter duas portas, uma para cada rua ao redor da esquina, fazendo com que a área da loja se tornasse uma galeria, um pequeno dispositivo urbano ao invés de um salão; enquanto o tamanho e a disposição de galeria quanto à largura e ao comprimento proporcionam à casa de moda a possibilidade de celebrar festas e desfiles como nos dias antigos das Maisons de Paris. O gesto lentamente se provou ser da ordem de uma epifania da moda mais que de uma natureza arquitetônica, ou foi uma evidência da curva fashionista que todo projeto arquitetônico carrega em sua essência. Moda e arquitetura: esses são os únicos trabalhos de arte onde seres humanos podem habitar o interior. Uma escada niemeyeresca é, com certeza, da dimensão de uma flor ou de um laço flutuando sobre as dobras de seda de um vestido.